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quarta-feira, setembro 11, 2002

Me ensinaram a sempre desconfiar de unanimidades (aliás, me ensinaram também a nunca nunca nunca começar um período, que dirá um texto inteiro, com pronome. Como vocês podem ver, guardei a lição mas não consigo pô-la em prática). Não sei se foi Nelson Rodrigues, não sei se foi meu senso crítico e minha mordacidade cada vez mais evidentes, o fato é que desconfio muito do senso comum - mas sempre prefiro conferir e tirar minhas próprias conclusões.
E daí?
E daí que "Cidade de Deus" é foda MESMO. Juro pra vocês.
Sabe esse trabalho de atores que está todo mundo elogiando pra caramba (reza a lenda que boa parte dos atores do filme é mesmo de moradores da favela, e eles são extremamente convincentes)? É verdade, é real, merece cada linha de elogio da crítica e cada comentário positivo do público. Até a galinha correndo é bem dirigida. Não tou brincando.
O timing entre os momentos de tensão e as tiradas engraçadas do filme é perfeito. A trilha sonora de sambinha dos anos 60 e funk e samba-rock dos anos 70 é perfeita. a narração do protagonista é perfeita. A edição, a fotografia, a maneira como a história do conjunto habitacional mais hardcore do Rio de Janeiro é conduzida é perfeita. As atuações são perfeitas, principalmente as infantis. E você realmente sai do cinema chocado, ou pelo menos pensando em como esse mundo está uma merda e você precisa fazer algo pra ajudar.
* * *
Americano é foda mesmo, acha Quentin Tarantino revolucionário, um divisor de águas da história do cinema dos anos 90. Sim, eu também acho, mas peraí, bicho, "Cidade de Deus" é real. A origem de toda essa merda de guerrilha urbana do Rio de Janeiro é mostrada lá - e o que difere esse de todos os filmes de "história real" é que "Cidade de Deus" continua, a Cidade de Deus tá logo ali, a gente passa de ônibus na frente, a gente tem medo de andar nas ruas à noite, a gente tem medo de polícia mesmo sem ter feito nada de errado, tem medo de bala perdida, de subir morro, a gente não sabe mais quem é bandido, quem é mocinho, quem está protegendo a gente e quem merece confiança - ou não.
E mesmo que você não tenha nada a ver com isso e não more no Rio de Janeiro.. você tem a ver sim. Isso acontece na sua cidade também. E se não acontece, é bom ficar de olho, porque pode acontecer.
* * *
E tem a fotografia, as imagens granuladas e, repito, as atuações convincentes. Esse tom de documentário aproxima o espectador do personagem. Isso mais o fato de que eles falam a minha língua, com o meu sotaque e vivem na minha cidade me deixa muito mais assustada. É real, porra. O moleque de quatro anos com uma arma na mão é real - e ao mesmo tempo, é uma realidade que eu só tive a oportunidade de conhecer pelo cinema. Sorte a minha, muita sorte, mas me preocupa demais o fato de que outras pessoas não tenham essa mesma sorte, e eu sozinha não posso fazer nada pra ajudar.
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Sozinha sim. As pessoas do meu meio não se juntam pra fazer alguma coisa. E que fizessem, a situação está tão caótica que ninguém SABERIA por onde começar.
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Já ouviu falar do grupo AfroReggae?
Também não gosto desse tipo de som, mas acho do cacete esse trabalho deles de ensinar música, artes, circo, incentivar o estudo dos garotos e garotas do Vidigal (eles começaram no Vidigal e, se não me engano, já tem outros centros espalhados pelo Rio de Janeiro). A possibilidade de aprender atividades que possam virar um trabalho digno tira a criançada do caminho do tráfico - e canaliza a agressividade potencial pra outra área, o cara vai botar toda a sua energia num bumbo, na voz, numa performance.
Aliás, existem alguns trabalhos desse tipo no Rio de Janeiro. Tem a cooperativa de costureiras da Rocinha, que já ganharam status de 'fashion'. Tem escolas de balé e esportes e várias atividades extras que podem se tornar possibilidades de trabalho.
É formidável, mas são iniciativas internas. Deles pra eles. E eu aqui continuo impotente.
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Lembrei disso porque o cara mais bizarro do filme não sabe se divertir. Isso fica claro, que a incapacidade de realizar alguma atividade de "fuga" (leia-se artes/esporte/religião) gera workaholics traumatizados que não sabem levar um "não".
Um economista workaholic agressivo e traumatizado é uma coisa, mas um workaholic agressivo com um fuzil na mão e sem nada a perder faz estragos. É isso aí, FAZ estragos.
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Escrevi muito, enchi o saco de vocês, mas é que amanhã começo emprego novo, não sei como é o esquema com internet lá e também não sei se vou pra casa ou se vou sair com meu gato, e se eu vier pra casa, é pra trabalhar. Bem, leitura pra 5a feira é o que não falta. Qualquer coisa, sempre tem o Elevador.org, o Conga Conga Conga e a Fraude. É texto e informação pra não acabar mais. E espero que vocês reflitam sobre alguma coisa, qualquer coisa. Nem que seja sobre as Dicas da Nat de Como Se Empetecar Num ônibus.

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